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ideia e escrita


escrita de um argumento e construção de um dossier de um projeto, no âmbito do módulo de ideia e escrita, orientado pela professora inês oliveira.


argumento
2022-fev



título

a posse


autoria: nuno gonçalves
género: ficção
duração estimada: 30 minutos
suporte: 4k
formato: 16:9
equipa técnica e artística: a definir
produção: a definir
datas de rodagem: abril e maio
datas de pós-produção: maio e junho
data de estreia: junho 2022



sinopse
joana (39 anos) e o seu companheiro ivo, uma amiga teresa e um casal de amigos guilherme e pedro preparam uma grande viagem à escócia, depois de um longo período de privação. joana descobre que está grávida. nunca quis ser mãe. não é do estilo maternal e isso é do conhecimento de todos. joana quer interromper, mas ivo quer ter a criança. há um jantar para discutir a viagem à escócia, mas este é apenas o tema visível, porque opção de joana sobre a maternidade está na mente de todos.


nota de intenções
este filme não é sobre o aborto. este filme não é sequer sobre a interrupção voluntária da gravidez. este filme quiçá possa ser visto como um filme sobre a opção da mulher em ser, ou não ser, mãe. porém, este é de facto um filme sobre o machismo estrutural da nossa sociedade. a pressão para as mulheres serem mães, como se a preservação da espécie dali dependesse e, claro, a primazia à opção do homem.

como dizia, o machismo estrutural que está na base de um grande número de problemas da nossa sociedade atual, mas também fruto do legado de milénios de história que nos levaram ao presente e que nos deixaram a questão da maternidade, a violência doméstica, a homofobia, a transfobia e a misoginia para coroá-los a todos. alguns desses problemas são abordados de forma mais ou menos profunda por este filme, ou de forma leve ou nem isso.

desde cedo me interessei por estes temas. não só porque nasci numa família da classe média com 4 filhos e 1 filha, onde a maternidade nunca foi questionada, embora a liberdade individual tenha sido sempre assegurada, genericamente falando, mas também porque a minha homossexualidade esteve latente até muito tarde, impedindo-me de viver de forma plena. esse traço da minha personalidade eclodiu finalmente, e hoje ao lamber as feridas dos anos de (auto)repressão e micro agressões contínuas, percebo que é o mesmo machismo estrutural aquele que continua a cavar o fosso de género, essa construção essencialmente cultural.

também na minha vida de ativista feminista e ativista pelos direitos das pessoas lgbti, com quase 15 anos de envolvimento e voluntariado, e nos últimos 4 anos como dirigente da associação ilga portugal, a mais antiga e maior associação do portugal na defesa dos direitos das pessoas lgbti, tenho tido contacto com realidades de muitas pessoas vítimas de uma matriz preconceituosa, muitas vezes em situação de emergência social.

felizmente, não apenas tenho lidado com situações negativas, mas tenho também tido contacto com inúmeros casos opostos, de pessoas empoderadas, mulheres autónomas, donas do seu nariz, e do seu útero, gays e lésbicas, pessoas desempoeiradas e libertas de preconceitos, capazes de exprimir livremente não apenas a sua orientação sexual, mas também as suas características sexuais e de género, pessoas trans que têm a coragem de enfrentar o ainda muito vincado estigma e afirmar a sua identidade de género e muitos outros casos que aqui não caberiam.

e estes exemplos de coragem, com que me cruzo no dia-a-dia, têm-me ensinado ao longo dos últimos anos que é necessário sempre lutar pela igualdade, pela liberdade e, também, pela fraternidade, os ideais que derrubaram o antigo regime há mais de 230 anos, mas que não foram ainda capazes de impor essa muito mais igualdade que precisamos.

este filme é também uma perspetiva muito pessoal sobre o tema da opção de maternidade. e sobre como devem ser respeitados os direitos da mulher na opção. é um filme que documenta uma evolução da mentalidade das pessoas e que pretende instanciar em particular a evolução do pai, não como aquele que gera e aquele que decide, mas aquele que apoia a decisão. e fá-lo dando um exemplo de empoderamento feminino.

este filme tanta também não menosprezar o sofrimento por que muitas mães passam, muito por conta do (auto)julgamento moralista, mas também não o dando por certo. este ponto é, aliás, crítico na análise que faço da opção pela interrupção voluntária da gravidez. dos testemunhos que reuni de mulheres que uma ou mais vezes tomaram essa decisão, foi-me dito, passo a citar,

“...não senti qualquer peso na consciência. o maior transtorno foi causado pela pressão da sociedade. tive que me mostrar mais afetada do que na verdade fiquei, para que a minha família não me culpasse de frieza, de ser uma pessoa racional e sem sentimentos...”

“... não foram os abortos voluntários que eu fiz que me fizeram sentir mal, moralmente falando, mas foi o aborto espontâneo num contexto em que eu tinha cedido à pressão social do ‘ok ... vamos lá ter uma criança’ que me fizeram sentir mal...”

“...nunca tive apetência por ser mãe...”

estes testemunhos, de duas mulheres diferentes, ambas mulheres resolvidas e emancipadas, fez-me perceber o quanto há ainda por fazer na defesa dos direitos das pessoas e na necessidade de lutar contra os julgamentos moralistas.

acredito que a minha perspetiva enquanto homem gay, feminista e ateu, habituado a lutar contra o machismo estrutural da nossa sociedade, traz um ponto de vista de quem não pode, por barreira biológica, sentir, nem viver, na primeira pessoa o que estas mulheres sentem. este ponto de vista que pretende desconstruir a visão tradicional de uma mulher fraca, débil e votada ao papel de progenitora e, em oposição, construir uma visão progressista da mulher forte, dona do seu útero e do seu destino. uma visão de uma mulher, de quem muitos homens têm medo.


aspetos formais

sugestão formal do filme: o filme passa-se quase inteiramente, excetuando as últimas duas cenas, no espaço interior de dois teatros ou sala de espetáculos, em caixa negra. um dos espaços alojará a casa de joana e ivo e o outro espaço alojará o hospital onde joana fará a interrupção voluntária da gravidez.

no chão estão marcados os espaços formais, funcionais, do filme. no caso concreto da casa de joana e ivo, por exemplo, estão marcados os espaços da sala, da varanda, da cozinha, do hall e do wc. no décor de cada espaço, contam-se poucos objetos, sobretudo mobiliário, e este deve servir uma função muito específica, relacionada com o filme. serão poucos os objetos furtuitos. o mesmo aplica-se ao espaço do hospital. separações imaginárias separam espaços funcionais e lógicos.

justifica-se esta economia com a ideia de se criar um distanciamento entre o espectador e o espetáculo. aqui o espectador terá o papel de racionalizar o que vê e ouve, o que sente, tentando não se deixar totalmente iludir pelo filme.

exemplos de espaços: escola de mulheres, teatro da politécnica, teatro da comuna, teatro do bairro alto, estúdio do ar.co, entre outros.

inspiração de formalismo: dogville (lars von trier, 2003).


elemento permanente: sentados a assistir a tudo, estão desde o início ao fim do filme três figuras simbólicas, as quais serão

designadas coletivamente de mundana trindade, a mundana trindade é constituída pela igreja católica, o estado laico de direito e o povo. está sentada em três cadeiras lado a lado, cada um dos seus elementos tendo ao seu colo objetos simbólicos que representam o veículo do julgamento moral:

a igreja católica tem uma bíblia sagrada no colo com luxuosa encadernação. está vestida de bispo, com uma mitra e paramentos luxuosos. deverá ser representado por um ator homem de idade avançada.

o estado laico de direito tem ao colo um código civil, um código penal e uma constituição da república portuguesa. encadernações de capa mole. está vestido com uma beca ou toga. deverá ser representado por um ator homem de meia-idade.

o povo tem ao colo um telemóvel e deverá ter aos seus pés um televisor de pequeno porte e uma bola de futebol. está vestido com roupa informal e deverá ser representado por um homem jovem, da mesma idade de joana e do ivo, isto é, de 35 a 40 anos.

a mundana trindade não sai do mesmo sítio do início ao fim do filme e não expressa sentimentos nem emoções, mas é filmada frequentemente como pano de fundo.





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lisboa, 2021